“A língua portuguesa como língua de ensino tem uma procura significativa na Rússia, é parte integrante do currículo académico de várias Universidades” – Paulo Vizeu Pinheiro
11 de Março, 2021Paulo Vizeu Pinheiro é o atual Embaixador de Portugal na Rússia, país que atravessa hoje uma delicada situação a nível político e social. Nascido em Lisboa em 1963, Paulo Vizeu Pinheiro viria a licenciar-se em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa. Seria admitido na qualidade de Adido de Embaixada em 1988, tendo estado ativamente envolvido no processo de paz de Angola no início dos anos 90, e depois viria a tornar-se Primeiro-Secretário na Embaixada de Portugal em Washington (EUA) e Conselheiro na Embaixada de Portugal em Moscovo (Rússia). Foi Subdiretor Geral do Serviço de Informações Estratégicas e Militares, Diretor-geral de Política de Defesa Nacional (DGPDN) e Diretor Interino do SIED. Passou pela OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico), onde primeiramente foi Representante Permanente Adjunto e mais tarde Embaixador. Foi ainda assessor diplomático de dois Primeiros-Ministros e do Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso. Por fim, regressou à Embaixada de Moscovo, desta feita, para ocupar o cargo máximo da estrutura diplomática.
1- Exmo. Embaixador, agradecemos desde já sua disponibilidade para esta entrevista. Numa mensagem recente, publicada na página da embaixada, menciona que as relações entre Portugal e a Rússia sempre se pautaram pela amizade e respeito entre os povos. Essas relações mantêm-se hoje assim ou esfriaram-se?
R: As nossas relações com a Rússia ainda se pautam, felizmente, pela amizade e pelo respeito entre os povos. Temos aqui perceção de que Portugal, na Rússia, é olhado como um país amigo e como um parceiro confiável. O contexto internacional em que vivemos não alterou essa perceção.
2- Se pudesse descrever o “melhor” que a Rússia pode oferecer a todos que a visitam, o que diria? O que torna a Rússia tão “singular” aos olhos do mundo?
R: A Rússia é um país fascinante. Conserva, perante alguns de nós europeus, uma imagem estereotipada de país longínquo, empobrecido e cinzento. Mas não é verdade. As suas principais cidades são centros económicos pujantes, modernos e funcionais, com turismo, boa gastronomia e excelentes sítios para visitar. Creio que qualquer português que visite Moscovo ou São Petersburgo ficaria muito surpreendido pela positiva e pelo acolhimento que aqui encontraria. Rapidamente qualquer imagem estereotipada fica desfeita. Mas há que sublinhar que a atratividade da Rússia não se resume a duas cidades, longe disso. Há todo um conjunto de excelentes locais para visitar e descobrir: lago Baical, rota do Transiberiano, a beleza esmagadora montanhas da Cáucaso, a região do Amur, a Kamchatka, entre outras.
3- Apesar da conjuntura recente adversa nos prismas político e social, acredita que os direitos dos emigrantes portugueses na Rússia têm sido devidamente salvaguardados?
R: Não existe uma grande comunidade portuguesa na Rússia nem a Rússia é um destino tradicional de emigração portuguesa. Os portugueses que residem e trabalham permanentemente na Rússia são muito poucos. Mas, dos poucos que cá chegam exclusivamente para fins laborais, não nos têm chegado quaisquer relatos de atropelo aos seus direitos enquanto trabalhadores.
4- Ao todo, são quantos neste momento (pelo menos, os que estão inscritos no consulado)?
R: À data de hoje, encontram-se inscritos na Secção Consular da Embaixada de Portugal em Moscovo 787 cidadãos nacionais. Mas há que esclarecer que se trata apenas de um número meramente indicativo. É inviável manter uma lista permanentemente atualizada, pois o registo consular é um ato completamente voluntário. O número real (excluindo os cidadãos com dupla nacionalidade) deverá ser menor.
5- Em que sectores de actividade, os trabalhadores portugueses são mais requisitados?
R: Não há um recrutamento em massa de trabalhadores nacionais para um determinado setor de atividade. Do que sabemos, os portugueses na Rússia estão espalhados por vários setores: logística e distribuição, formação, comunicação social e até desporto, se considerarmos os jogadores portugueses que jogam na Primeira Liga de futebol. Também há portugueses em organizações internacionais.
6- Quando um português chega à Rússia, costuma adaptar-se bem às temperaturas, ao idioma e aos costumes do novo país?
R: Não nos têm chegado relatos de situações contrárias. Sabemos que a adaptação não é fácil dada a barreira da língua que é de facto um obstáculo, talvez o maior. Mas os portugueses que cá vivem em permanência falam russo, adaptaram-se bem e estão perfeitamente integrados, apesar da rigidez dos meses de Inverno. Os portugueses na Rússia são mais uma prova, mesmo que relativamente poucos, da tenacidade do nosso povo e da nossa capacidade de adaptação a qualquer país e a qualquer realidade.
7- Mudando um pouco o assunto, a pandemia da COVID-19 tem provocado igualmente um cenário caótico na Rússia. De acordo com dados oficiais, já faleceram mais de 80 mil pessoas naquele território. Há algum emigrante português que tenha sido infectado, ou até mesmo, vítima?
R: Não temos, felizmente, qualquer eco de vítimas de Covid entre os portugueses residentes na Rússia.
8- Se um português estiver infectado na Rússia, o que deverá fazer? Qual é o conselho da embaixada nesse sentido?
R: Como em qualquer situação, devem seguir escrupulosamente as normas e orientações em vigor. A Rússia tem apresentado uma evolução bastante positiva e animadora dos números da pandemia. Neste momento, pode considerar-se que a pandemia está controlada nas grandes cidades como Moscovo e São Petersburgo, o que é crucial para que seja controlada a nível nacional. Já disponibiliza há vários meses uma vacina, com eficácia comprovada e atualmente em processo de homologação na EMA. Os seus serviços de saúde têm, pelo menos nas grandes cidades, correspondido ao aumento da procura e dos internamentos. Dá impressão que o país se preparou bem.
9- A recente conjuntura política também não é favorável, atendendo à detenção controversa de Alexei Navalny. As recorrentes manifestações e a instabilidade política e social podem comprometer a segurança dos emigrantes portugueses?
R: As manifestações de apoio a Alexey Navalny mobilizaram certas camadas da população que estão descontentes com a sua situação socioeconómica e incertas quanto ao futuro. As detenções ficaram circunscritas a manifestantes. Moscovo é uma cidade extremamente segura para estrangeiros.
10- Por fim, considera que a língua portuguesa tem vindo a ser valorizada na Rússia? Há mais estudantes russos interessados em ler as obras épicas de Luís Vaz de Camões? Ou ainda é um processo que vai demorar o seu tempo?
R: A língua portuguesa como língua de ensino tem uma procura muito significativa na Rússia. É parte integrante do currículo académico de várias Universidades, incluindo da Academia Diplomática do Ministério dos Negócios Estrangeiros e em academias militares. Em Moscovo há uma escola privada de língua portuguesa. Sabemos que há ensino universitário de português em cidades como Piatigorsk e Krasnodar. A procura pelo ensino da nossa língua tem aumentado nos últimos anos. Não temos números certos pois várias Universidades ministram cursos de português e não fornecem dados, mas é possível que o número total de estudantes de português em instituições públicas na Rússia seja superior a 300.
Exmo. Embaixador, agradecemos, desde já, o tempo que dispensou para a realização desta entrevista para o site A Voz de Esmoriz.