Festival Literário de Ovar também debateu causas estruturantes para a sociedade

19 de Setembro, 2022 0 Por A Voz de Esmoriz

Ao longo de cinco dias, o Festival Literário de Ovar contou com várias tertúlias, oficinas e demonstrações artísticas que envolveram mais de 50 convidados, de entre os quais: escritores, poetas, editores, cronistas, romancistas, poetas, críticos literários e ilustradores. As iniciativas decorreram em vários pontos do concelho, sejam em espaço fechado ou ao ar livre, e inspiravam-se no legado de José Saramago, cujo centenário do seu nascimento se assinala neste ano de 2022.

Neste passado domingo de manhã, tivemos conhecimento de novas iniciativas que decorreram na cafetaria do Parque Urbano de Ovar e na zona verde em redor. Logo no início, procedeu-se à apresentação do livro “Ilhas da Ria” da autoria de Maria José Santana. A escritora, naturalmente presente, recordou as histórias e as memórias que as comunidades mais antigas guardam sobre as ilhas da ria de Aveiro que, outrora, já ofereceram, em quantidades consideráveis, milho, feijão, batata, melancia, vinho e até sal. As ilhas da Ria de Aveiro podem correr o risco de desaparecer no futuro, contudo nesta obra é-lhes feita justiça. Podemos dizer que se trata de uma grande reportagem, com uma linguagem directa, sem rodeios, objectiva, e retrata uma realidade para muitos de nós desconhecida e que, decerto, veio enriquecer a bagagem intelectual de todos que assistiram à apresentação da sua recente obra.

Pouco tempo depois, e no mesmo local, deu-se início à tertúlia literária da mesa 8, moderada pelo erudito vareiro Carlos Nuno Granja, e que contou com a participação das escritoras Lúcia Vicente, Eduarda Lima e Susana Cardoso Ferreira. A mesa 8 remeteu-nos para várias causas que afectam a sociedade nacional, e quiçá, a própria humanidade.

Lúcia Vicente, autora das obras “Raízes Negras” e “Portuguesas com M Grande”, assume-se como feminista e, através da escrita, propõe um caminho que possa suprir as desigualdades sociais. Admite que a personagem rebelde “Sarita”, que se evidencia num dos seus livros, preenche uma parte do seu pensamento e do activismo que pretende fomentar em torno de causas justas. Frisa que o objectivo não passa por colocar as mulheres a dominarem o mundo, mas sim imprimir um equilíbrio saudável entre os dois géneros. Por outro lado, lamenta que nos livros de História, os heróis sejam quase sempre homens, algo que, na verdade, nem sempre foi assim. Aliás, remata mesmo que excluir as mulheres, é excluir uma parte da nossa história. Não deixou ainda de realçar a importância da educação para construirmos uma sociedade mais justa, em que todos possam ter efectivamente os mesmos direitos, deveres e privilégios.

Eduarda Lima é ilustradora e escritora, autora de obras como “Que Planeta é este?” ou “O Protesto” e de poesias diversificadas, procurando chamar a atenção do público mais jovem (mas também adulto) para as questões de natureza ambiental. Apesar das preocupações actuais sobre a degradação da Natureza, cenário que afecta a Humanidade, Eduarda demonstra esperança de que será possível salvar o planeta, caso contrário, mais valia “fazermos as malas e desistirmos”, e ninguém certamente quer fazer isso. Refere que as crianças devem ser educadas no sentido de amarem a Natureza, mas os adultos não podem ser deixados fora da equação, atendendo que a mudança urge ser realizada já no presente. No âmbito da relação texto e imagem (visto que é escritora e ilustradora dos seus livros) confidencia que as imagens surgem primeiro, mas tem de haver já um esboço da estrutura textual por detrás. No seu entender, esta viagem literária que enceta permite regressar à criação e ao tempo de criança, surgindo assim uma meditação espontânea.

Susana Ferreira, escritora responsável pela obra infanto-juvenil “Noa” (premiada já por alguns círculos), centra a sua abordagem na história de uma rapariga que, depois de perder os pais num naufrágio, perde o chão e deixa de falar, contudo, sem nunca perder a esperança, vai morar com o avô e enfrentar a realidade, procurando um novo rumo esperançoso para a sua vida. Susana Ferreira refere que o fim do livro fica em aberto, podendo motivar várias interpretações para os leitores que até lhe ligam frequentemente para descortinar o desenlace, contudo as pistas presentes no livro possam indicar para um determinado desfecho. Apesar de ser dirigido para as crianças, o livro tem sido igualmente lido por membros das comunidades da Terceira Idade. A autora remata que Noa não é um livro triste, mas sim um livro de recomeço. Por outro lado, reforçou a sua crença na vida além da morte e também admite que é fundamental haver mais sensibilidade em prol da defesa do meio-ambiente.

Em simultâneo à tertúlia que decorria na cafetaria do Parque Urbano de Ovar (refira-se que estava lotada com dezenas de clientes), teve lugar uma oficina de ilustração orientada por Sónia Borges, nos jardins situados nas imediações, e em que participaram cerca de 15 crianças que, acompanhadas pelos seus pais, puderam esboçar os mais variados desenhos.

O evento matinal terminou ainda com um encontro com o escritor Filipe L. S. Monteiro que, juntamente com as crianças, proporcionou uma simbiose curiosa entre a magia e a ciência. Confessou que lê quase todos os dias, desde literatura infantil até alguns clássicos. É autor da obra “O Menino que sonhava salvar o mundo”, cujo enredo incide sobre uma criança que, através da imaginação e fantasia, acreditava ser possível salvar o mundo e torná-lo melhor. Mencionou que qualquer livro ou representação artística nasce também da imaginação, e daí ter convidado os mais novos a desenhar e a escrever sobre folhas dos cadernos disponibilizados.