Novo catálogo revela enorme lacuna no conhecimento sobre os objetos mais extremos do Universo

10 de Maio, 2025 Não Por A Voz de Esmoriz

Com dados do Telescópio Espacial de raios gama Fermi, recolhidos ao longo de 16 anos, uma equipa liderada por um investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço revelou que desconhecemos a distância à maioria das fontes cósmicas mais energéticas já detetadas, o que tem grande impacto na nossa compreensão dos fenómenos mais extremos do Universo.

Chama-se First Cosmic Gamma-ray Horizon (1CGH) e é o mais recente catálogo de fontes extragalácticas de raios gama de alta energia. Publicado dia 2 de Maio de 2025 na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, por uma equipa internacional liderada pelo investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) Bruno Arsioli,baseado em observações do Telescópio Espacial de raios gama Fermi, o catálogo identifica quase 2800 fontes de raios gama acima dos 10 Giga eletrões-Volt (GeV), incluindo 62 até agora desconhecidas. Este resultado representa um aumento de quase 80% face ao último catálogo deste tipo (3FHL).

As fontes extragalácticas de raios gama não são muito comuns – atualmente, são conhecidas cerca de 7200 em todo o Universo. O líder da equipa, Bruno Arsioli (IA & Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa), explica que: “a maioria destas novas fonte são Blazares4, com picos de radiação sincrotrão extremos e elevados, que constituem a principal população de fontes extragalácticas de Tera eletrões-Volt (TeV), sendo por isso alvos prioritários para o futuro Observatório da Rede de Telescópios Cherenkov (Cherenkov Telescope Array Observatory – CTAO)”.

Sobre o artigo publicado, Arsioli comenta ainda que: “neste trabalho realizámos uma extensa revisão da literatura sobre desvios para o vermelho, incorporando resultados de cerca de 70 campanhas de observação na banda do ótico. Verificámos que aproximadamente 72% das fontes presentes no catálogo 1CGH ainda têm estimativas pouco robustas, ou mesmo nenhuma, para a sua distância”.

A ausência dessa informação limita o entendimento atual sobre a transparência do Universo aos fotões de mais alta energia, pondo em causa quão longe é realmente possível observar fontes extremas no Universo. “Esta lacuna no conhecimento atual representa um desafio para toda a comunidade de estudo de fenómenos de energia muito elevada, e evidencia a necessidade de campanhas de observação de seguimento na banda do ótico e infravermelho, focadas em determinar a distância dos Blazares detetados em raios gama.”, esclarece Arsioli.

Compreender a distância destas fontes cósmicas é essencial porque, à medida que os raios gama viajam pelo Universo, eles interagem com a Luz de Fundo Extragaláctica (EBL, na sigla em inglês), algo semelhante a um “nevoeiro cósmico de fotões”, que se estende do ultravioleta distante ao infravermelho próximo, composto sobretudo por radiação acumulada de estrelas e galáxias ao longo da história cósmica. Essa interação provoca a atenuação da radiação de muito alta energia proveniente de objetos distantes, deixando uma marca observável no seu espectro. Quanto mais longe estiver o Blazar, maior será esse efeito, por isso, conhecer a sua distância é crucial para medir com precisão a densidade da EBL em diferentes épocas do Universo.

A atenuação dos raios gama pela EBL define um limite para a maior distância a que é provável detetar fotões de energia muito elevada, limite conhecido como o Horizonte Cósmico de Raios Gama (sigla CGH, em inglês).

Este processo faz dos Blazares de raios gama sondas únicas para medir a densidade e evolução da EBL ao longo da história do Universo. Assim, Blazares distantes de raios gama oferecem uma forma alternativa de determinar a densidade da taxa de formação estelar (SFR) em épocas primordiais, possivelmente até à Época da Reionização5, com implicações para os estudos da evolução galáctica.

Para Polychronis Papaderos (IA & UPorto), líder da equipa “A história da formação de galáxias resolvida no espaço e no tempo” do IA: “o trabalho do Bruno Arsioli é um bom exemplo da investigação de ponta desenvolvida no IA, sobre a evolução e propriedades dos buracos negros supermassivos (BNSM), ao longo da história do Universo. É também um complemento indispensável para muitos outros projetos da nossa equipa”.

Alguns desses projetos de investigação do IA na área de galáxias e astronomia extragaláctica incluem: – Machine learning (um tipo de algoritmo de inteligência artificial de aprendizagem automática) aplicado a observações dos primeiros BNSM a se formarem no Universo;
– Simulações detalhadas da densidade superficial de AGNs distantes, que se espera venham a ser detetados pelo futuro telescópio de raios X da Agência Espacial Europeia (ESA) NewAthena, no qual o IA está a contribuir ativamente para a construção do seu Wide Field Imager;

– A preparação para estudos de modelação espectral de AGNs com o espectrógrafo multi fibra MOONS, que entrará em breve em operação no Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu do Sul (ESO), sendo o IA co-instituição líder;
– O estudo de fontes rádio com elevado desvio para o vermelho, recorrendo aos precursores do Observatório Square Kilometer Array (SKAO), em particular a pesquisa Mapa Evolutivo do Universo (Evolutionary Map of the Universe – EMU), com o telescópio australiano ASKAP.

Estes dois últimos projetos contam com uma participação a alto nível de José Afonso (IA & Ciências ULisboa), coinvestigador principal responsável pelo VLT/MOONS e líder do Projeto de Ciência Principal sobre AGNs (AGN Key Science Project) do EMU.

Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço

Texto enviado pela Agência Portuguesa de Imprensa