“Papéis de género tradicionais perduram no fim da vida profissional e na reforma” (Opinião)
6 de Janeiro, 2024Um conjunto de estudos realizados no Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-Iscte) identifica diferenças de género em diversos espaços sociais, incluindo em contexto de teletrabalho, parecendo perdurarem durante a reforma.
As diferenças entre homens e mulheres ainda prevalecem no mundo do trabalho. De acordo com dados da OCDE, as mulheres gastam mais horas por dia em trabalho não remunerado do que os homens, nomeadamente, em tarefas domésticas ou cuidados da família. Para além disso, em Portugal, no ano de 2021 os salários medianos anuais dos homens eram cerca de 12% superiores aos das mulheres. A investigadora Maria Helena Santos (CIS-Iscte), especialista em Psicologia Social do Género, tem explorado as perspetivas e experiências de homens e mulheres em diferentes contextos sociais e profissionais em várias fases da vida, e tem encontrado dados que apoiam estas estatísticas. Segundo a investigadora, diferenças com base nos papéis tradicionais de género são observadas em várias profissões genderizadas, como no setor da limpeza, junto de professores do ensino secundário, mas também na esfera política, onde a representação feminina é ainda minoritária.
Efetivamente, a equipa de investigação composta por Maria Cecília Eduardo (Universidade Federal do Paraná), Maria Helena Santos (CIS-Iscte) e Ana Lúcia Teixeira (CICS.NOVA) publicou também em 2023 um estudo que apresenta uma análise descritiva e comparativa dos estatutos dos partidos políticos com representação na Câmara dos Deputados, no caso do Brasil, e no Parlamento, no caso de Portugal. O principal objetivo foi avaliar a inclusividade dos textos partidários e o compromisso de partidos políticos com a promoção da igualdade de género e da participação política das mulheres nos seus quadros organizacionais, em Portugal e no Brasil. De uma forma geral, as investigadoras observaram que os partidos de esquerda têm sido historicamente mais encorajadores do envolvimento das mulheres, em ambos os países, pelo menos nas suas regras estatutárias. Maria Helena Santos concretiza: “Em termos percentuais, no caso brasileiro, três dos quatro partidos centristas e cerca de 66% dos partidos de esquerda têm pelo menos uma menção à questão da não discriminação e/ou da igualdade de género. Em contraste, menos de metade dos partidos de direita apresenta esta questão nos seus textos partidários. Já em Portugal, nenhum partido de direita menciona este princípio, que aparece em mais de metade dos estatutos dos partidos de esquerda”. O estudo também informa que apesar da presença de estatutos inclusivos em muitos partidos brasileiros, não parece haver uma influência direta no número de mulheres por si eleitas, sugerindo uma discrepância entre as disposições estatutárias e os resultados reais em termos de representação das mulheres. Por último, embora tanto o Brasil como Portugal tenham quotas eleitorais para as mulheres, as percentagens específicas e os sistemas eleitorais diferem, o que pode ter um impacto na eleição das mulheres em cada país.
Maria Helena Santos reconhece que, nas últimas décadas, têm sido feitos esforços para criar condições que promovam uma maior igualdade entre homens e mulheres. Contudo, considera que há ainda muito por fazer. “Um dos fatores que salientou e, em certos casos, agravou estas diferenças foi a pandemia e o contexto de teletrabalho”, explica a investigadora. Dados de um estudo publicado em 2023 sugerem, efetivamente, que a pandemia de COVID-19 levou a um aumento significativo da divisão do trabalho não remunerado entre as figuras parentais, com as mulheres a assumirem uma maior parte das tarefas domésticas e de prestação de cuidados à família. A equipa de investigação, composta por investigadoras do Iscte (Maria Helena Santos, Miriam Rosa, Jéssica Ramos e Ana Catarina Carvalho) e do ICS-ULisboa (Rita Correia), notou que, apesar dos avanços pré-pandémicos, em matéria de igualdade entre homens e mulheres, persistiram desigualdades de género significativas na divisão do trabalho não remunerado, em especial para os casais com crianças pequenas. As mulheres, especialmente as que trabalhavam em regime de teletrabalho, registaram uma menor satisfação profissional devido à falta de partilha das tarefas de prestação de cuidados. “Estes resultados sublinham a necessidade de uma divisão mais equitativa do trabalho não remunerado entre os pais, em especial em tempos de crise, e realçam a importância de disposições laborais que permitam uma divisão mais equilibrada do trabalho não remunerado para aumentar a satisfação profissional.”, conclui Maria Helena Santos.
“Para além das diferenças de género serem observadas ao longo da vida ativa, estas parecem afetar as trajetórias individuais e estender-se ao período da reforma”, acrescenta Maria Helena Santos. A investigadora fez parte de uma equipa de investigação do Iscte, composta também por Maria Carolina Pereira e Miriam Rosa, que explorou as perspetivas e experiências de homens e mulheres na sua reforma. Os resultados revelaram uma grande variabilidade na forma como homens e mulheres planeiam a sua reforma, por exemplo, nas perspetivas face à reforma, mas também nas atividades em que se envolvem. Especificamente, durante a reforma as mulheres relataram estar mais ocupadas com tarefas domésticas, cuidados familiares e exercício físico, enquanto os homens relataram dedicar mais tempo a passatempos e atividades de socialização. “Os nossos dados indicam uma continuidade dos papéis de género na reforma”, afirma Miriam Rosa (CIS-Iscte), realçando que as preocupações que caracterizam a vida ativa das mulheres se mantiveram inalteradas na reforma. Além disso, as mulheres estavam menos satisfeitas com as suas pensões do que os homens, refletindo o impacto das diferentes trajetórias de vida e de trabalho nos resultados das pensões. As investigadoras sublinham a importância de compreender a reforma no contexto das diferentes trajetórias de emprego e de vida de homens e mulheres, destacando a sua influência nas experiências de reforma.
Maria Helena Santos espera continuar a explorar as questões psicossociológicas relacionadas com o género, com o objetivo último de informar as decisões políticas com base em dados científicos. “Se compreendermos as complexidades das experiências ao longo da vida, não só na fase ativa de trabalho, mas também na reforma, podemos trabalhar para promover a igualdade entre homens e mulheres e melhorar a qualidade de vida de todas as pessoas”, conclui.
Artigo da autoria de Pedro Simão Mendes
Comunicação de Ciência (CIS-Iscte)
Texto enviado pela Agência Portuguesa de Imprensa