“Sete lições que não podemos esquecer sobre o sistema prisional” (Opinião)
4 de Junho, 2022No rescaldo da última edição do evento Prison Insights ’22 – Please Mind the Gap! a Reshape traz-lhe sete lições que devemos manter em mente para alterar o sistema prisional em Portugal.
Realizou-se no mês passado o evento internacional Prison Insights ’22 – Please Mind the Gap! co-organizado pela RESHAPE, associação que visa a reinserção digna de todas as pessoas que estão ou estiveram presas, e o Instituto Miguel Galvão Teles (IMGT). O evento visou a discussão sobre o sistema prisional junto de dez países e a reinserção dos indivíduos na sociedade e deixou sete lições que não podemos esquecer se temos como objetivo a alteração do sistema prisional.
- É imperativo falar sobre as prisões: é importante pensar sobre quem está nas prisões e se essas pessoas são efetivamente tão diferentes das restantes. É preciso falar sobre saúde mental nas prisões, investir em formação adequada para quem trabalha com reclusos e questionar até que ponto a severidade de determinadas penas e as condições das infraestruturas existentes contribuem positiva ou negativamente para o efeito a que se destinam.
- Há muito talento dentro das prisões à espera de ser descoberto: são várias as histórias que ouvimos sobre pessoas que se descobriram talentos durante e depois do tempo em que estiveram presas. Como alertou Baz Dreisinger (Prison-to-College Pipeline Program & Writing on the Wall), devemos constantemente fazer o exercício de pensar se estamos realmente a ajudar as pessoas ou se estamos a cair no risco do voyeurismo, sem olhar para a essência do problema ou nos envolvermos na solução. Até porque nem todas as pessoas que estão presas ou em casas de detenção se envolvem ou participam da mesma forma.
- Sair em liberdade também é difícil: segundo testemunhos do evento, muitas vezes, sair em liberdade implica recomeçar com um saldo negativo, em várias frentes ao mesmo tempo. Mesmo quem sai com uma perspetiva de trabalho, pode ter dificuldade em encontrar casa, em restabelecer relações. Há casos em que as pessoas demonstram alguma hesitação em ir para uma instituição, por já estarem habituadas às rotinas e estrutura da prisão. Muitas vezes não pensamos para onde “voltam” estas pessoas. Se voltam para um ambiente saudável e estruturado. Se têm sequer para onde voltar.
- Um trabalho estável pode diminuir a reincidência: se é verdade que a reinserção na sociedade pode ser extremamente desafiante, também sabemos que o processo pode começar do lado de dentro e que os programas e iniciativas de capacitação são boas formas de utilizar o tempo de quem se vê privado de liberdade. No Reino Unido, por exemplo, a taxa de reincidência de 61% poderia baixar 9% quando se encontrava forma de garantir trabalho estável para quem já esteve preso. Al Crisci (The Clink) e Max Dubiel (Redemption Roasters) fazem parte dos empregadores que ajudam a diminuir esta percentagem de reincidência.
- A arte é uma forma de ajuda: a arte tem um poder inimaginável para diminuir a fome cultural e é preciso alimentar outros tipos de fome e levar mais literatura às prisões. Qualquer pessoa pode aproximar-se do outro, apresentar-se, dar-lhe um abraço ou decorar vários nomes de seguida – pode dançar, fazer coros, reproduzir instrumentos e voltar ao refrão, enquanto as diferenças se dissipam e cantam todos juntos, numa só voz. Projetos como o “Ópera na Prisão” de Paulo Lameiro ajudam a levar arte para as prisões.
- O apoio psicológico é indispensável para todos: a saúde mental nas prisões é um tema importante, principalmente pelos valores alarmantes de suicídio. É preciso estender este apoio a todos os envolvidos que estão diariamente nas prisões, o staff prisional, os guardas e os técnicos. Porque, mais uma vez, depende de todos e um passo em falso pode ter um impacto considerável no processo de reabilitação e normalização de alguém que está ou esteve preso.
- As casas de transição são o futuro: na Bélgica já há legislação que permite a existência de casas de transição para os últimos 18 meses de cumprimento de pena e há também um modelo alternativo, que o Movimento RESCALED e a RESHAPE defendem, para penas de curta duração, em que as pessoas que estão presas podem viver em pequenas casas de detenção, com vista à diferenciação e integração na comunidade. Se as pessoas passarem muito tempo presas, a punição pode deixá-las piores do que estavam antes, graças ao efeito institucionalizante e estigmatizante que a prisão cria. As casas são uma alternativa.
Com o Prison Insights ’22, a RESHAPE visou contribuir para a criação de uma rede entre os vários agentes e decisores do sector criminal, sensibilizar para soluções e abordagens inovadoras do sistema prisional e ainda fomentar a adoção de políticas públicas que sejam cada vez mais humanistas e eficientes. Através da apresentação de histórias de vida e de superação inspiradoras, a RESHAPE mostra que é possível diminuir o número de pessoas que regressam à prisão através do apoio aos indivíduos na sua reinserção e está sempre aberta ao apoio da comunidade, seja em formato de voluntariado, donativos ou através da venda de produtos da Reshape Ceramics.
SOBRE A RESHAPE
A RESHAPE foi criada com 2015 com o objetivo de garantir a reinserção digna de todas as pessoas que estão ou estiveram presas. A RESHAPE implementa e dissemina novas abordagens que transformam as vidas de todas estas pessoas, fornecendo-lhes as ferramentas e estímulos necessários para a sua efetiva reinserção. A sua atividade centra-se em dois níveis: Apoio Social junto dos beneficiários, com o projeto Reshape Ceramics, o Gabinete de apoio individual e a Academia RESHAPE; e na área de Advocacy através da partilha de conhecimento e da sensibilização dos decisores para a adoção de políticas públicas mais humanas, nomeadamente através do evento Prison Insights.
SOBRE O INSTITUTO MIGUEL GALVÃO TELES (IMGT)
O Instituto Miguel Galvão Teles (IMGT), criado no final de 2015 no seio da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados (Morais Leitão), pretende prestar homenagem e simultaneamente ajudar a manter viva a memória de Miguel Galvão Teles (1939-2015), enquanto grande advogado, teórico do direito, professor e entusiasta da filosofia.
O IMGT rege-se pela liberdade e rigor de pensamento, ética e cidadania ativa, integridade e independência, generosidade e abertura ao mundo, valores que espelham o legado de Miguel Galvão Teles, e que se materializam através de iniciativas de cariz académico, cultural e formativo promovidas por ou relacionadas com a Morais Leitão e que contribuem para a promoção do conhecimento científico nas áreas do direito e da filosofia, entre outras.
Contacto para a Imprensa: ATREVIA
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